A aplicação da inteligência artificial (IA) no setor público brasileiro tem avançado de maneira significativa, com diferentes órgãos desenvolvendo ou contratando soluções tecnológicas para otimizar suas atividades, promover mais eficiência administrativa, reforçar a fiscalização e ampliar a transparência no uso de recursos públicos.
“Um exemplo emblemático é o do Tribunal de Contas de Santa Catarina (TCE/SC), que em 2024 passou a utilizar a ferramenta VigIA, desenvolvida internamente, para analisar editais de licitação antes mesmo da publicação”, comenta Larissa Pigão, advogada especializada em direito digital e proteção de dados pessoais, mestranda em ciências jurídicas pela UAL (Universidade Autônoma de Lisboa).
De acordo com ela, o sistema fiscalizou cerca de R$ 2,5 bilhões em recursos públicos no primeiro ano de operação e tem como meta atingir 100% de cobertura nas análises preventivas de editais emitidos por prefeituras e pelo governo estadual.
ESFERA FEDERAL
“Os órgãos de controle estão utilizando IA para intensificar as atividades de fiscalização no Brasil. Nesse sentido, o TCU e a CGU são pioneiros”, afirma Rhodrigo Deda, head de Novos Negócios da Preâmbulo Tech.
Ele lembra que a CGU tem utilizado o Alice (acrônimo de Analisador de Licitações, Contratos e Editais) que analisa diariamente mais de 500 processos de compra e contrações públicas, auditando em 2024 mais de R$ 25 bilhões e gerando economia de R$ 257 milhões em diversas licitações.
“Desde 2016, o TCU desenvolve internamente ferramentas para o controle externo, como a Alice (que analisa editais), a Sofia (apoio à produção de relatórios), a Ágata (gestão de dados para classificação automática), e o ChatTCU (ferramenta baseada em IA generativa utilizada por mais de 1.400 servidores para análise documental e apoio à pesquisa jurídica)”, diz Larissa.
A Controladoria-Geral da União (CGU), por sua vez, emprega a IA na chamada “malha fina de convênios”, que avalia riscos nas prestações de contas de transferências voluntárias da União. Com aprendizado de máquina, o sistema emite alertas e facilita o trabalho de fiscalização, priorizando casos com maior potencial de irregularidade.
“Tanto a CGU quanto o TCU têm disponibilizado suas ferramentas para outros órgãos públicos”, lembra Deda.
“No plano federal, o TCU é referência nacional e internacional no uso de IA tendo sido reconhecido pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) como a única instituição pública com aplicação avançada de IA generativa”, concorda Larissa.
Além disso, afirma a advogada, o tribunal mantém assistentes virtuais como a Zello e sistemas de monitoramento de pregões, obras públicas e contratações governamentais, demonstrando uma estratégia robusta de uso da tecnologia.
A Advocacia-Geral da União (AGU), por sua vez, vem utilizando desde 2013, modelos para triagem de processos e pesquisa jurídica, evoluindo em 2020 para soluções mais sofisticadas com base no modelo BERT.
“A principal ferramenta atual é o sistema Sapiens, que automatiza tarefas como a análise de documentos, sugestão de textos jurídicos e identificação de normas aplicáveis, contribuindo para maior produtividade e precisão nas manifestações da AGU”, comenta Larissa.
MUNICÍPIOS
“Em nível municipal, há também iniciativas relevantes. Em Rio do Sul (SC), a prefeitura adotou a IA ‘Dara’, que analisa dados educacionais para prever evasão escolar com até 99% de acerto”, Larissa.
Já em São José (SC), comenta a advogada, foi implantada uma assistente virtual baseada em IA para facilitar o atendimento ao cidadão, integrando diversos serviços públicos em uma interface acessível e eficiente.
ESTADOS
Na esfera estadual, diversos Tribunais de Contas Estaduais também vêm investindo em IA, conforme elenca Larissa:
- O TCE de São Paulo desenvolveu a ANIA (Assistente Natural com Inteligência Artificial), voltada para acelerar a análise de documentos fiscais.
- O TCE de Rondônia implementou o sistema ContAI, enquanto os tribunais do Espírito Santo e do Ceará utilizam, respectivamente, os assistentes CHATJURIS e Chat Ana Júlia para análise de jurisprudência.
“Essas iniciativas demonstram que o uso da inteligência artificial na administração pública brasileira vem se expandindo de forma consistente e estratégica. Além de já integrar o cotidiano de diversos órgãos, a tecnologia tem sido aplicada de maneira inovadora para aprimorar a gestão pública, fortalecer a fiscalização e ampliar a transparência”, considera Larissa.
Enquanto alguns órgãos optam por desenvolver soluções internamente, outros têm recorrido a fornecedores especializados para acelerar sua transformação digital. “O desafio comum entre eles é equilibrar inovação, segurança e responsabilidade no uso dessas ferramentas, sempre com foco no interesse público”, enfatiza a advogada.
No Paraná, comenta Deda, o TCE vem desenvolvendo o Avia (Atendimento Virtual por Inteligência Artificial), que permite aos fiscalizados esclarecer dúvidas de forma rápida e eficiente.
“O Poder Judiciário tem também avançado rapidamente no uso de IA. No âmbito do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), a Plataforma Sinapses mapeou no ano passado 62 órgãos com iniciativas de IA, totalizando 140 modelos identificados em desenvolvimento.