Desde o lançamento do ChatGPT em 2022, a inteligência artificial generativa se tornou uma das tecnologias mais discutidas do mundo. Em meio a previsões sobre extinção de profissões e reconfiguração do emprego, pesquisadores do Yale Budget Lab decidiram investigar se essa transformação já está em curso.
“O estudo desmonta uma das maiores narrativas atuais, a de que a inteligência artificial está dizimando empregos”, afirma João Paulo Ribeiro, especialista em atendimento, liderança e cultura organizacional e CEO do Grupo Inove.
O estudo ‘Evaluating the Impact of AI on the Labor Market: Current State of Affairs‘ analisa os efeitos iniciais da IA no mercado de trabalho dos Estados Unidos — e os resultados apontam para uma realidade mais contida do que os alarmes sugerem.
“Os dados mostram que, desde o lançamento do ChatGPT, a composição do mercado de trabalho global permaneceu praticamente estável. Isso confirma uma percepção que eu já vinha observando em relação ao comportamento das empresas no Brasil, o impacto da IA é real, mas ainda está longe de ser uma onda de demissões. O que vemos é uma transição silenciosa, uma substituição de tarefas, não de pessoas”, diz Ribeiro.
O levantamento observa que a composição das ocupações nos Estados Unidos vem mudando, sim, em ritmo um pouco mais acelerado, mas essa tendência não foge do que já foi visto em outras épocas de avanço tecnológico.
A equipe analisou dados dos últimos 33 meses desde o lançamento do ChatGPT e os comparou com períodos históricos, como a chegada dos computadores pessoais nos anos 1980 ou a difusão da internet nos anos 1990. O grau de mudança ocupacional observado até agora não ultrapassa os padrões dessas fases anteriores.
A pesquisa também mostra que ocupações potencialmente mais expostas à automação por IA — aquelas com tarefas mais suscetíveis à substituição — não sofreram queda significativa no número de trabalhadores. Tampouco há evidências de que o desemprego esteja se concentrando em funções consideradas mais “automatizáveis”.
“O que o relatório confirma é que a transformação tecnológica segue o mesmo ritmo histórico de outras revoluções, gradual, desigual e dependente de cultura”, comenta Ribeiro.
Exposição teórica versus uso real
Para aprofundar a análise, os autores cruzaram duas frentes de dados. De um lado, estimativas da OpenAI sobre o quanto cada ocupação poderia se beneficiar da IA em termos de economia de tempo. De outro, dados da empresa Anthropic, com base nas tarefas que usuários de sua IA (o modelo Claude) de fato executaram. A ideia era verificar se o uso real de IA reflete o potencial de automação teórica.
Os resultados mostram que essas métricas nem sempre caminham juntas. Muitas ocupações altamente expostas à IA, na prática, ainda não utilizam amplamente essas ferramentas. E onde há uso mais intenso, como em tarefas de programação e escrita, ele tende a ser restrito a nichos profissionais específicos. Não há, até o momento, uma migração em massa para profissões mais alinhadas com o uso de IA, nem substituição visível em larga escala.
Efeitos podem vir com o tempo
Embora o estudo destaque a estabilidade relativa do mercado de trabalho frente à IA, os autores alertam que esse quadro pode mudar. Transformações tecnológicas profundas geralmente levam anos para se consolidar. Assim, os pesquisadores propõem um monitoramento contínuo com indicadores atualizados mensalmente, de modo a capturar efeitos que ainda não são visíveis, mas que podem emergir com o tempo.
Eles também ressaltam a necessidade de mais transparência e dados das empresas de tecnologia. Sem acesso amplo ao uso real das ferramentas por setor, tarefa e perfil demográfico, torna-se difícil mensurar o impacto real da IA na força de trabalho.
Entre o hype e a realidade
O estudo da Yale contribui para equilibrar o debate público. Embora não descarte mudanças futuras, ele demonstra que, até o momento, a inteligência artificial generativa ainda não provocou uma revolução no emprego. O cenário atual sugere cautela: entre o hype e a realidade, há um mercado de trabalho que segue em adaptação — mas sem rupturas imediatas.
“O desafio não é o desaparecimento dos empregos, mas a requalificação das pessoas para funções que exigem mais interpretação e menos repetição.”
Para Ribeiro, no Brasil, onde ainda há resistência à digitalização e carência de formação técnica, a IA deve provocar impacto mais perceptível apenas quando for incorporada à estratégia de negócio e não apenas ao discurso. “A inteligência artificial não está substituindo o trabalho humano, mas sim testando a inteligência das empresas em como usá-la”, finaliza Ribeiro.
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