O uso de ferramentas de Inteligência Artificial (IA) já deixou de ser promessa para se tornar parte do cotidiano de muitos escritórios de advocacia. No caso de dois escritórios consultados pelo Portal Intelligence.Garden, a aposta tem sido em soluções que combinam praticidade, produtividade e segurança.
O advogado Eduardo Schiefler, mestre pela UnB e sócio do escritório Schiefler Advocacia, aponta que hoje as IAs são fundamentais para otimizar rotinas jurídicas.
“Utilizamos sobretudo o ChatGPT, o Licito.guru (especializada em licitações e contratos), o Gemini e o Notebook LM para leitura e organização de documentos”, explica. Além disso, a equipe recorre a IAs para legendagem de vídeos e preparação de apresentações”.
Essas ferramentas são aplicadas em diferentes frentes: elaboração de peças, síntese de petições, pesquisa de jurisprudência, análise documental (triagem de fatos, identificação de inconsistências e extração de pontos-chave) e produção de minutas, como e-mails e ofícios.
Já no eixo de gestão de processos – como leitura automática de intimações e controle de prazos – o escritório ainda prefere cautela. “Temos observado no mercado soluções que fazem captação e leitura automática de intimações, classificação por assunto, vinculação a processos e alertas de prazo integrados a sistemas judiciais. No nosso caso específico, ainda não utilizamos IA para essa finalidade, pois não identificamos uma que substitua os procedimentos internos que realizamos atualmente”.
O critério, segundo Schiefler, é pragmático: buscar soluções maduras, com integração consistente aos sistemas e índice mínimo de falhas, especialmente “porque prazos processuais exigem tolerância zero a erros”, pontua.
A escolha das ferramentas, segundo o advogado, foi orientada por três fatores principais: custo-benefício, facilidade de uso e reconhecimento no mercado.
“O fator determinante foi o custo-benefício aliado à facilidade de uso e ao reconhecimento no mercado, que traz um componente adicional de segurança. Em síntese, escolhemos o que reduz a curva de aprendizado, preserva a segurança da informação e nos dá produtividade sem renunciar à qualidade técnica”, afirma.
Um exemplo concreto é a redação de parágrafos síntese em petições. O que antes exigia várias idas e vindas para reunir fatos, jurisprudência e argumentos hoje é feito de forma muito mais ágil. O ganho de tempo nessa etapa chega a variar entre 30% e 70%, sem renunciar à padronização de linguagem e da coerência argumentativa.
“Hoje, o processo começa com um rascunho gerado por IA, que depois é enriquecido pelos advogados e finalizado com revisão jurídica”.
Tarefas repetitivas e licitações
Para tarefas repetitivas, como ofícios, minutas de e-mails e rascunhos de peças, a automação também se mostra valiosa. O ChatGPT, o Gemini e o Notebook LM são as principais escolhas do escritório, além do Licito.guru para demandas de licitações e contratos. O impacto é duplo: mais velocidade e mais consistência nos textos, reduzindo retrabalho e elevando a qualidade das entregas.
Sobretudo na área de licitações e contratos, o escritório utiliza uma IA desenvolvida especificamente para essa finalidade, o Licito.guru, que conta com um banco de dados próprio e constantemente atualizado, reduzindo de forma drástica as alucinações e falhas.
A implementação da IA na Schiefler vem ocorrendo de forma gradual. Parte dos advogados adota mais intensamente e serve de referência para os demais.
“Não há resistência por parte dos advogados, mas o desafio maior é integrar as IAs aos fluxos do escritório”, explica Schiefler. A curva de aprendizado, segundo ele, tem sido “moderada”.
Apesar dos avanços, o advogado avalia que ainda há lacunas no mercado jurídico brasileiro. A principal delas está na pesquisa jurisprudencial além da integração nativa com repositórios como Google Drive e sistemas internos – permitindo raciocinar com o contexto privado do escritório com segurança de dados.
Olhando para os próximos dois anos, Schiefler acredita que a grande inovação será o desenvolvimento de um RAG jurídico confiável (sistemas que cruzam dados de forma auditável e rastreável, com políticas robustas de privacidade), além de plataformas de gestão realmente desenhadas para a advocacia – tanto para escritórios contenciosos quanto consultivos.
“O que buscamos é uma tecnologia que não apenas auxilie na produção de peças, mas que se integre plenamente à gestão do escritório, com segurança e confiabilidade. Essa será a verdadeira virada de chave”, conclui.
No escritório da advogada Adriana Faria, especializada em Direito do Trabalho e Previdenciário, as ferramentas de IA já viraram quase “membros da equipe” — “só não tomam café com a gente”, – brinca.
A advogada utiliza a IA diretamente na redação de peças jurídicas, integrada ao Word. A ferramenta não apenas sugere argumentos jurídicos, como também formata os textos de acordo com as regras de cada tribunal e alerta caso algum pedido usual tenha sido esquecido na petição.
“Acabou aquela fase de quebrar a cabeça tentando achar precedentes iguais. Eu escrevo a tese e ela busca decisões parecidas, destacando o que realmente interessa”, afirma.
A tecnologia também é aplicada no acompanhamento processual. Com o apoio de um robô de intimações e prazos, o sistema faz a leitura automática dos diários oficiais, identifica quais intimações são relevantes e já insere os prazos no sistema interno, com indicação do responsável. “Eu só reviso”, completa a advogada.
A advogada também destaca o papel do analisador de contratos, que revisa cláusulas relevantes e aponta possíveis riscos e do OCR inteligente, que transforma PDF escaneado em texto e deixa tudo organizado no padrão interno do escritório. “Hoje, sem essas ferramentas, sinto que voltaríamos uns bons anos no tempo”, acredita.
Segundo Adriana Faria, três fatores foram determinantes na escolha das IAs pelo escritório: a capacidade de compreender de forma precisa o Direito brasileiro e citar fontes confiáveis, sem inventar jurisprudência; a segurança e conformidade com a LGPD; e a fácil integração com o Word e outros softwares de gestão.
“O custo-benefício foi consequência, mas a verdade é que a escolha foi muito mais pela segurança e pelo ganho real de tempo”, acrescenta. Some-se a isso a triagem de intimações: antes, cada uma levava em média três minutos para ser lida, compreendida e registrada no sistema. Considerando cerca de 150 intimações por semana, eram mais de sete horas dedicadas apenas a essa tarefa rotineira.
“O robô já é capaz de ler, classificar, extrair os dados e agendar os prazos. Resultado: caiu para menos de uma hora por semana. Isso representa 88% a mais de tempo livre para tarefas realmente estratégicas”, diz.
Para facilitar o dia a dia e evitar tarefas repetitivas, a advogada utiliza automação baseada em modelos inteligentes. Preenche algumas respostas (nome das partes, tipo de ação, valor da causa), monta o documento no padrão do escritório. Dessa forma, uma petição inicial simples que antes levava 1h30 para fazer, hoje sai em 30 minutos.
A implementação da tecnologia no escritório foi bem planejada. “Primeiro, mapeamos onde a IA realmente poderia ajudar. Depois, fizemos um teste piloto com alguns advogados, que viraram “embaixadores” e ajudaram os outros”.
Apesar da resistência natural à mudança por parte da equipe, ajudou muito apresentar casos práticos onde houve significativa economia de tempo e acima de tudo, deixar claro que a IA não substitui o trabalho do advogado, mas o apoia. “A curva de aprendizado foi de umas duas a três semanas para todo mundo pegar o jeito, e em dois meses já estávamos usando a IA de forma avançada”.
Para ela, ainda falta no mercado uma funcionalidade que promova uma integração única e oficial conectando todos os tribunais brasileiros num só lugar — de forma segura e padronizada. Isso evitaria a “loucura” de ter que lidar com dez sistemas diferentes.
Ela também aposta que, nos próximos dois anos, a IA estará presente dentro das audiências — transcrevendo depoimentos em tempo real e até sugerindo perguntas ou estratégias com base no que está sendo dito”, prevê.
Ferramentas
No escritório de Adriana Faria, algumas ferramentas de Inteligência Artificial já se tornaram indispensáveis em diferentes frentes do trabalho jurídico. Na redação de peças e documentos, os destaques são o ChatGPT Enterprise, o LegalCloud, AI Draft e o JusAI, escolhidos pela capacidade de compreender o Direito brasileiro, sugerir argumentos e organizar petições no formato exigido pelos tribunais.
Para a pesquisa de jurisprudência, a equipe utiliza o Jusbrasil Pro, o Preâmbulo Juris AI e o E-nova IA Jurídica. Outro recurso essencial é o robô de intimações e gestão de prazos, operado por soluções como CPJ-3C Robô, LegalNote, Astrea Bot de Intimações e Digesto.
Na área contratual, Adriana Faria destaca o uso do ClauseBase, do Looplex Contracts e do LegalLab AI Contract Review, que atuam como analisadores de contratos — identificando cláusulas sensíveis, comparando com modelos internos e sugerindo ajustes. Já para OCR e organização de documentos, os mais utilizados são o Adobe Acrobat Pro OCR, o ABBYY FineReader e o Google Document AI.
Outro ponto de apoio vem dos cálculos jurídicos, com ferramentas como LegalCloud Calculadora, JusCalc Pro e PJE Calc Cidadão. Por fim, o escritório também investe em soluções de atendimento inteligente e triagem de casos.