Uma escola norte-americana causou polêmica nas últimas semanas ao anunciar a substituição de professores tradicionais por inteligência artificial. O anúncio foi feito pela Alpha School, instituição de ensino situada em Austin, no Texas (EUA),. Com mensalidades que chegam a R$ 18 mil, a escola apresenta uma proposta educacional inovadora e controversa, marcada por um currículo que foge aos padrões convencionais de ensino.
Disciplinas básicas, como matemática e inglês, ocupam apenas 2 horas por dia — o restante do tempo é preenchido por atividades de socialização e de “aprendizados para a vida”, conforme informações do G1.
A medida tem dividido opiniões entre especialistas, pais e educadores, que questionam os impactos dessa substituição na formação dos alunos e no papel da figura docente no processo de aprendizagem.
“É a primeira iniciativa no mundo neste formato, como foco total na IA, ou seja, não temos parâmetros ainda para avaliar com fidedignidade esse modelo, pois requer estudos científicos e acompanhamento do desenvolvimentos dos alunos em todas as fases de suas vidas”, avalia Raquel Ponchio, professora com mais de 20 anos de experiência em educação no Brasil, atualmente reside e atua nos Estados Unidos, onde se especializa em educação bilíngue.

Raquel Ponchio/Divulgação
Para o professor Daniel Nascimento, advogado, especialista em educação digital e coordenador de cursos técnicos da FAT, a tecnologia pode e deve ser um dos pilares da educação contemporânea, mas não substitui o elemento humano.
“O processo de ensino-aprendizagem não é apenas a transmissão de informações. Ele se constrói em relações, interações e significados compartilhados. A psicologia do desenvolvimento já demonstrou que a aprendizagem é social e que nossas funções cognitivas superiores emergem primeiro na interação com o outro para depois se tornarem individuais”, afirma Nascimento.
“Do ponto de vista antropológico, a educação é também um processo de enculturação, inserindo o sujeito em valores, símbolos e práticas coletivas. Sem esse vínculo humano, perde-se a dimensão ética, afetiva e comunitária da formação”, complementa o professor.
De acordo com João Victor Almeida, professor de Digital Life na Rio International School (RIS), a IA pode ser útil de diversas formas, como avaliar provas, corrigir e aprimorar redações, oferecer feedback personalizado e adaptar-se ao perfil do aluno.
“Ainda assim, isso não configura ensino completo. O processo educativo envolve relações humanas, inspiração, valores, afetividade e o exemplo do professor. A IA pode transmitir conteúdos, mas não substitui o papel formador da convivência humana”, diz.
Victoria Luz, autora best-seller, especialista em IA e consultora de IA para Negócios, considera que a Alpha School mostrou que é possível estruturar um modelo de ensino no qual a inteligência artificial conduz parte significativa das aulas. “Os alunos passam cerca de duas horas por dia em disciplinas básicas com apoio de IA, e o restante do tempo é voltado a ‘habilidades para a vida’, acompanhados por orientadores humanos”, diz Victoria.
“Mas chamar isso de ensino só com IA é simplificar demais. A escola ainda mantém uma proporção de 5 alunos para cada guia humano, algo muito melhor do que a média tradicional, que chega a 20 para 1. Ou seja, não há a eliminação do fator humano, e sim uma redistribuição do papel do professor”, explica a especialista.

Daniel Nascimento/Divulgação
Impacto
Para Almeida, há atrativos claros, como possível redução de custos e personalização em escala. “Porém, os riscos são consideráveis. Ambiente mais frio e desumanizado, prejuízo ao desenvolvimento socioemocional, perda do senso crítico e do sentido de comunidade. A médio prazo, isso pode formar estudantes treinados para respostas rápidas, mas com pouco aprofundamento e menor capacidade de pensamento crítico”, diz.
Para ele, a questão não é eliminar tudo, mas separar o que é útil do que não é. O principal deve ser em como a IA pode apoiar, e não substituir. “Ela pode: automatizar tarefas repetitivas (correções, relatórios, organização de conteúdo); oferecer apoio individualizado, ajustando exercícios ao ritmo do aluno; apoiar pesquisas e a produção criativa de projetos; auxiliar alunos com dificuldades específicas, oferecendo reforço sob medida. Com isso, o professor ganha tempo para o que é insubstituível: relacionamento, mediação de conflitos, estímulo à criatividade, ética e formação de caráter”, comenta Almeida.
Como usar a IA na sala de aula
De acordo com Raquel, desde que usada como estratégia e apoio ao professor, pode ser utilizada de diferentes maneiras inclusive para facilitar a vida do professor, como correções de atividades, provas, redações, que consomem um tempo bastante significativo e muitas vezes repetitivo. “Mas no geral, pode: auxiliar na personalização do aprendizado; feedback; tutoria inteligente; criação de material didático de acordo com a necessidade do professor e do aluno, auxiliar na criatividade do professor (quizzes, roteiros de atividades diversificadas)”, diz.
“Um outra ideia que pode ser utilizada de forma bastante proveitosa aos alunos, são os famosos ‘workshop’, segundo a escola são as habilidades para a vida que realmente importam como: trabalho em equipe e liderança; contação de histórias e falar em público; empreendedorismo; alfabetização financeira entre outras oficinas que os alunos passam o período da tarde se desenvolvendo”, comenta Raquel.
Nascimento comenta que a IA pode ser usada como instrumento e não como substituto. “A inteligência artificial pode acelerar o acesso à informação, permitindo que professores e estudantes concentrem energia na análise, na reflexão e na aplicação prática do conhecimento. Além disso, há, a meu ver, a quebra do grande paradigma, pois com o advento da IA o valor das respostas perde espaço para o valor das perguntas, forçando o desenvolvimento de maior rigor na formulação de hipóteses e questionamentos”, diz.
Já para a gestão escolar, afirma ele, pode organizar recursos, personalizar trilhas de aprendizado e otimizar processos administrativos, liberando tempo para que o professor exerça seu papel fundamental de mediação, cuidado e orientação ética, isso simboliza um maior aproveitamento das atribuições do professor, bem como representa um fator de economia, visto que a implementação de recursos tecnológicos que utilizam IA no processo de atendimento, substitui uma camada de mão obra e traz mais eficiência operacional.
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