A inteligência artificial deve finalmente sair do campo da promessa e se tornar prioridade prática para empresas brasileiras em 2026. É o que aponta a pesquisa Panorama 2026, lançada pela Amcham Brasil em parceria com a Humanizadas. O estudo revela que, embora os executivos reconheçam o potencial estratégico da IA, os investimentos e a maturidade das iniciativas ainda são limitados.
Pelo terceiro ano consecutivo, a IA foi apontada como a principal tendência de negócios. A novidade, segundo os autores do estudo, é que os líderes agora esperam ver aplicações reais e transformadoras a partir de 2026.
A expectativa é de que a tecnologia se torne central na operação e na tomada de decisão das companhias. No entanto, o entusiasmo ainda não se traduz em investimento robusto: 77% das empresas não possuem orçamento dedicado ou aplicam no máximo 2% dos recursos em IA. Apenas 9% afirmam investir acima de 5%.
O estudo mostra ainda que, para 61% dos executivos, os resultados trazidos pela IA até agora foram pouco ou nada relevantes. Apenas 3% das empresas conseguiram transformar a tecnologia em novas fontes de receita ou em vantagem competitiva.
O uso atual da IA segue restrito a áreas mais operacionais. Atendimento ao cliente e experiência do consumidor lideram, com 59% das empresas utilizando IA nessas funções. Em seguida vêm marketing e vendas, com 54%. Já nas áreas mais estratégicas, o uso é bem mais tímido: 38% em finanças, 38% em estratégia de negócios e apenas 29% em RH e sustentabilidade.
O cenário é ainda mais incipiente quando se trata de agentes autônomos — sistemas capazes de tomar decisões por conta própria. Apenas 17% das empresas usam ou planejam usar esse tipo de tecnologia de forma relevante até 2026.
Para Daniella Caverni, sócia do Efcan Advogados, a pesquisa reforça uma realidade que acompanhamos no dia a dia: o desafio da IA não é apenas tecnológico, mas sobretudo humano e estratégico. “A tecnologia já existe e vai ser aperfeiçoada a cada dia, o problema está em como as pessoas e, portanto, as empresas conseguem ou conseguirão se preparar para extrair valor dela”, considera a especialista.
A IA só gera impacto se houver profissionais capacitados para usá-la, interpretar resultados e tomar decisões baseadas nos insights; sem esse preparo, as ferramentas ficam subutilizadas ou mal aplicadas. “Além disso, há questões de cultura organizacional: resistência à mudança, medo de substituição de funções e falta de engajamento das equipes”, comenta.
“Sem investimento consistente em pessoas, integração transversal entre áreas e planejamento de longo prazo, a IA corre o risco de permanecer no campo do hype — promissora, mas sem impacto mensurável”, afirma Daniella. “O movimento para 2026 mostra que o mercado já reconhece a prioridade, mas a virada só virá quando houver maturidade em estratégia, dados e capacitação”, complementa.
O que impede a transformação
A pesquisa aponta três grandes obstáculos para a evolução da IA nas empresas brasileiras. O primeiro é a capacitação técnica das equipes, mencionada por 64% dos líderes. Em segundo lugar aparece a falta de uma estratégia clara de uso, citada por 52%. Por fim, a qualidade dos dados internos é um entrave para 43% dos respondentes.
Segundo os organizadores, o principal desafio é deixar de tratar a IA como um projeto isolado ou experimental e integrá-la de forma transversal às estratégias de negócio. Sem isso, a tecnologia corre o risco de permanecer como promessa não cumprida — mais próxima do hype do que de um impacto mensurável.
Apesar dos entraves, os executivos projetam uma virada em 2026. Se atualmente a maioria das empresas ainda está em estágios iniciais ou de experimentação, a expectativa é que nos próximos dois anos surja um grupo cada vez maior de companhias com modelos de IA escaláveis e alinhados aos objetivos estratégicos da organização.
Laura Nanini Batista, advogada direito digital e compliance na Lopes & Castelo Sociedade de Advogados, considera que é fundamental que as empresas que utilizam ou planejam utilizar IA em suas operações estruturem políticas internas claras quanto ao uso adequado da tecnologia e promovam a capacitação dos colaboradores envolvidos. Para tanto, é necessário implementar um plano de governança de IA que defina regras, responsabilidades e boas práticas.
“Dessa forma, as empresas não devem se preocupar apenas com o investimento financeiro para o desenvolvimento ou implementação da IA, mas também com a condução estruturada, alinhada a princípios éticos, de segurança da informação e de proteção de dados, além de atenção à evolução da regulamentação aplicável ao tema”, afirma.
Iniciativa para acelerar a transformação
De olho nesse cenário, a Amcham Brasil anunciou o lançamento do Hub de Inteligência Artificial, uma plataforma voltada à capacitação de lideranças, compartilhamento de boas práticas e projetos colaborativos entre empresas. A proposta é ajudar organizações a sair da fase de testes e alcançar resultados concretos e sustentáveis.
Para Marcelo Rodrigues, diretor de Inovação e Novos Negócios da Amcham, o desafio não está apenas na adoção da tecnologia, mas em sua integração à cultura e à gestão empresarial. “A pesquisa mostra que os executivos já reconhecem a IA como prioridade, mas o investimento e a maturidade ainda são baixos. Com o Hub de IA, queremos acelerar essa jornada e transformar tendência em competitividade real”, afirma.