Do digital ao significado: o que move a Geração Alpha

Se você acha que o mundo está cada vez mais conectado e distante da vida cotidiana, ainda não percebeu a revolução que a Geração Alpha — os nativos da Inteligência Artificial, nascidos a partir de 2010 — está prestes a provocar no trabalho, na educação e na própria forma de viver em sociedade.

Em contraste com a Geração X — que teve uma formação pré-internet, acompanhou a passagem do mundo analógico para o digital e precisou se adaptar a diversas tecnologias, à escassez de informação e a modelos de gestão ao longo da vida — e com os Millennials, que cresceram durante a transição digital, assim como a Geração Z, que se desenvolveu em meio às redes sociais, a Geração Alpha tem no digital seu ponto de partida natural, sendo verdadeiros nativos da IA. Essa geração também já dá sinais de que vai transformar profundamente a educação, o mercado de trabalho e as relações sociais.

No mercado de trabalho, prometem romper com a lógica do “horário comercial” e valorizar entregas com propósito. São jovens que buscam autonomia, impacto e significado, mesmo que em projetos temporários, valorizando o empreendedorismo digital.

Além disso, por ser a geração nativa da Inteligência Artificial, são mais rápidos, visuais e imediatistas e esperam que o aprendizado seja adaptado a eles, gerando um profundo descompasso em um modelo educacional vigente que ainda insiste em currículos homogêneos e métodos que priorizam a memorização.

Paradoxalmente, Arthur Igreja, palestrante e especialista em Tecnologia e Inovação e Masters em International Business pela Georgetown University (EUA) aponta que, contrariando a tendência dos GenZ, essa é uma geração até menos conectada. “Começamos a ver uma tendência ao longo do tempo de que talvez tenhamos atingido o ápice da exposição nas redes sociais. Por outro lado, começa a haver um interesse em socialização quase como uma descoberta de que já existiu um mundo em que isso era normal”.

Na visão de Arthur Igreja, por terem nascido em um mundo totalmente imerso na tecnologia, onde tudo já está posto, o digital não é uma etapa, mas o próprio ponto de partida. Os Alpha vivem em um cenário onde as relações se originam no ambiente virtual — e, quando há encontros presenciais, muitas vezes são a consequência final de uma conexão iniciada digitalmente.

“Para quem pertence a gerações anteriores, isso pode parecer até curioso. Mas é essa lógica que molda a forma de como essa geração enxerga o mundo, descobrem lugares, constroem vínculos e interpretam sentimentos — tudo mediado por telas, plataformas e canais digitais. Esse modo de existência impacta profundamente a forma como aprendem, se relacionam e até como atribuem sentido às experiências da vida”, aponta Igreja.

Por outro lado, em meio à velocidade do digital, experiências mais táteis, lentas e presenciais tendem a ganhar novo valor. A hiperexposição às telas e à automação pode reacender o desejo pelo analógico — não como uma volta ao passado, mas como um refúgio. Isso porque mesmo em uma era dominada pela inteligência artificial e por conexões remotas, o toque, o olhar direto e o tempo compartilhado no presente seguirão indispensáveis — talvez até mais valorizados, justamente por sua crescente escassez.

Estão menos consumistas?

Para Arthur Igreja, a geração Alpha chega mais consciente com as questões relacionadas ao meio ambiente e aos impactos sociais e da tecnologia. Um ingrediente que precisa ser acrescentado é a condição socioeconômica dessas crianças e jovens, muito mais apertada economicamente e complexa. Essa também é uma geração que tende a consumir menos bebida alcoólica, porque existe uma correlação com a busca por saúde. Porém outras escolhas podem influenciar nas pesquisas de consumo em relação às gerações anteriores.

“A Alpha tem consciência de que já nasceu numa época bastante conturbada, com fenômenos acontecendo numa velocidade perceptível. O que poderia acontecer em 50 anos já está em movimento, visível e mensurável. Curioso que também começa a haver uma espécie de reversão do vale tudo pelo resultado na carreira e no trabalho. Há o aprofundamento de algumas tendências que se observavam nas gerações anteriores e, ao mesmo tempo, o começo de algumas antíteses”, diz.

Desafios da educação tradicional

Nesse cenário disruptivo e marcado pela popularização da inteligência artificial, a educação — especialmente o modelo tradicional de escola — enfrenta desafios profundos.

Elisiane Spencer Goethel, coordenadora de Projetos na Foreducation Edtech, com foco em tecnologia educacional, formação de professores e soluções inovadoras para o ensino e aprendizagem é categórica: “Acredito que o principal descompasso está na contradição entre a personalização e a autonomia que esses estudantes vivenciam em seu ecossistema digital de IA e a padronização do ensino tradicional. Nascidos em um mundo onde a IA personaliza desde o conteúdo consumido até a forma de buscar informações, esperam que o aprendizado seja adaptado a eles”, argumenta.

Contudo, a especialista pontua que ser nativo de um ecossistema de IA não significa ter habilidades digitais inatas. “Pelo contrário. Exige que a educação vá muito além do instrumental, capacitando esses estudantes a compreender, questionar e atuar de forma crítica e ética nesse mundo impulsionado pela Inteligência Artificial, transformando-os em agentes conscientes e não apenas consumidores passivos”.
Elisiane Spencer aponta que essa é uma geração que busca sentido no aprendizado. A questão, portanto, não é eliminar o conteúdo, mas transformá-lo para que se torne uma ferramenta poderosa nesse desenvolvimento.

“Para uma pedagogia mais centrada no estudante, mesmo dentro de um currículo com conteúdo definido, podemos e devemos implementar abordagens que tornem o aprendizado mais engajador e relevante. Isso inclui contextualizar o conteúdo para a realidade dos alunos, mostrar a aplicação prática do que é ensinado e conectar temas a desafios do mundo real”.

O grande desafio, na visão da especialista, será utilizar metodologias ativas, como debates, estudos de caso e pequenos projetos investigativos dentro das disciplinas existentes, onde o professor deixa de ser a única fonte de conhecimento e passa a ser o guia estratégico que ajuda os alunos a navegar no vasto volume de informações digitais. “A sala de aula se torna um laboratório de investigação e cocriação, onde o erro é parte do processo e a dúvida é o ponto de partida para a aprendizagem”, afirma.

Sendo assim, o papel da escola torna-se ainda mais essencial: educar para o uso ético, crítico e consciente da IA. Cabe à instituição preparar os alunos para questionar as informações geradas, identificar vieses, checar a veracidade dos dados, compreender os limites da privacidade e refletir sobre as implicações sociais, morais e culturais do uso da IA.
“Assim, o estudante se torna um usuário consciente e responsável, apto a utilizar a IA para aprimorar suas próprias habilidades humanas, sem delegar seu pensamento crítico e sua criatividade”, afirma Elisiane Spencer.

Alpha e o mercado de trabalho

Com uma visão mais voltada ao futuro do mercado de trabalho, Aline Almeida — diretora de Operações e Recursos Humanos da DMK3, com mais de 20 anos de experiência em tecnologia, atendimento e gestão de pessoas — acredita que a chegada da Geração Alpha deve provocar uma verdadeira mudança de mentalidade nas organizações, exigindo menos processos engessados e mais dinâmicas colaborativas e flexíveis.

Para essa geração, produtividade não está ligada às horas fixas, mas à entrega de valor. “O modelo tradicional de horário comercial tende a perder sentido. Eles buscam flexibilidade, propósito e ambientes que respeitem suas individualidades”, afirma a executiva.

Esse novo olhar representa uma grande oportunidade para o RH e a liderança repensarem seus modelos de gestão, adotando estruturas mais flexíveis que priorizem resultados sem renunciar ao bem-estar. Defensora da autonomia no ambiente de trabalho, Aline Almeida reforça: “Resultados sustentáveis vêm quando as pessoas se sentem respeitadas e têm liberdade para atuar com autonomia. O nosso papel, enquanto gestores, é oferecer clareza e confiança”.

Guiados por propósito

Para a Geração Alpha, a possibilidade de criar seu próprio caminho, o propósito social, o empreendedorismo digital e um ambiente aberto à inovação, livre de hierarquias rígidas, são valores que ganham destaque. Esse modelo também acelera a concretização de suas realizações. “Hoje, não perguntamos mais ‘onde você se vê em 10 anos’, mas sim em três ou cinco anos. Mesmo os mais velhos dessa geração buscam não apenas estabilidade, mas também significado”, afirma.

Para Aline Almeida, empresas que quiserem atrair esses talentos precisarão oferecer liberdade, escuta e espaço para inovação pois os nativos dessa geração não querem “apenas um crachá” em uma grande corporação, mas sim ter chance de fazer algo com impacto real.

Essa também é geração que espera uma liderança mais acessível, humana e horizontal. O líder ideal para os Alpha será o gestor que ouve, compartilha decisões e entende que cada pessoa é única pois não esperam perfeição ou rigidez. “Na verdade, são uma geração que valoriza a presença, clareza e empatia. Ser líder hoje é mais sobre guiar do que mandar”, diz.

Geração Alpha x IA

Com mais de 15 anos de experiência em produtos digitais e startups Bruno Nunes, Especialista em tech e IA Generativa e CEO da Base39 aponta que Geração Alpha vai crescer tendo a inteligência artificial como parte do dia a dia. “Eles vão estudar, trabalhar e se comunicar com apoio da IA o tempo todo, desde cedo. Dessa forma, a inteligência artificial deixa de ser ferramenta para virar ecossistema”, diz.

O executivo acredita que a IA pode ser uma super aliada, desde que as pessoas dessa geração não esqueçam de pensar por conta própria. “A Geração Alpha vai ter todas as ferramentas na mão. Não basta apertar “Enter” e aceitar a resposta. Precisamos cultivar o “por quê?”: Por que o modelo priorizou este dado? Por que mudou a recomendação depois de 100 interações? A criança que questiona o brinquedo inteligente hoje será o profissional que vai construir um sistema crítico amanhã”, antevê.

Otimista, ele não acredita que a IA enfraquecerá alguém por si só. No entanto, alerta que, ao tornar tudo tão fácil, ela pode levar ao desuso de certas “musculaturas” mentais. “Talvez o papel das gerações anteriores seja garantir que a Alpha herde não apenas tecnologia, mas também uma base sólida de pensamento crítico e curiosidade.

“Somos responsáveis por estimular essa musculatura intelectual. Precisamos ir além das discussões sobre frameworks e GPUs: transmitir cultura de experimentação, análise de dados e prazer em resolver problemas na “unha”. Se conseguirmos, a IA será para a Geração Alpha uma alavanca de potência, não uma muleta de conveniência”, conclui.



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