Avanços da IA na criação de conteúdos esbarram na proteção dos autores

Desafios abrangem questões jurídicas que afetam tanto os direitos dos autores de conteúdo quanto os desenvolvedores de sistemas de IA generativa

A questão do direito autoral relacionada à inteligência artificial representa um dos debates jurídicos mais complexos da atualidade e envolve várias discussões legais e éticas.

Paulo Lilla, sócio do Berardo Lilla Becker Segala Daniel Advogados, avalia que a ascensão da IA generativa trouxe avanços significativos na criação de conteúdo, mas ao mesmo tempo coloca obstáculos para a proteção de direitos autorais.

Esses desafios abrangem questões jurídicas relevantes que afetam tanto os direitos dos autores de conteúdo (artistas, músicos, escritores, entre outros), quanto os desenvolvedores de sistemas de IA generativa, com impactos significativos sobre a inovação nesse campo.

Um dos pontos de discussão se refere à propriedade intelectual. Afinal, quem detém os direitos autorais de uma obra criada com a ajuda da IA?

Essa é uma questão ainda não totalmente resolvida. Victoria Luz, especialista e consultora de IA para negócios, esclarece que, no Brasil, a legislação de direitos autorais está fundamentada na Lei 9.610/98, que estabelece como requisito fundamental para proteção que a obra seja resultado de uma criação intelectual humana. Para ela, isso gera importantes consequências.

SEM PROTEÇÃO

“As obras totalmente criadas por sistemas de IA não recebem proteção autoral no ordenamento jurídico brasileiro, pois nossa legislação vincula a autoria exclusivamente a pessoas físicas ou entidades legais reconhecidas. Esta lacuna cria um vácuo jurídico significativo”, afirma Victoria.

De acordo com ela, quando há intervenção humana substancial no processo criativo – como direcionamento específico, seleção criteriosa ou modificações relevantes no conteúdo gerado – a autoria pode ser atribuída à pessoa que utilizou a ferramenta de IA, desde que sua participação tenha sido realmente significativa.

Um dos pontos que é preciso avaliar se refere a autoria e titularidade. Na prática, a definição de autoria é um dos pontos centrais nesse debate.

Segundo Lilla, em geral, as leis de direitos autorais ao redor do mundo, incluindo a legislação brasileira, tradicionalmente reconhecem apenas criações humanas como passíveis de proteção autoral.

Ou seja, obras geradas exclusivamente por IA, sem intervenção humana significativa, geralmente não são protegidas por direitos autorais.

Entretanto, lembra o especialista, quando há uma contribuição criativa humana substancial, como por exemplo, na elaboração detalhada de prompts, a proteção pode ser considerada, a depender de cada caso.

“Essa distinção entre obras assistidas por IA e aquelas geradas autonomamente é crucial para determinar se a obra em questão fará jus à proteção autoral”, diz Lilla.

No Brasil, afirma o advogado, como a legislação autoral é antiga, remetendo ao final dos anos 1990, está totalmente obsoleta para lidar com esse tipo de questão.

“Essa lacuna legal gera insegurança jurídica para os autores e para a indústria do entretenimento”, diz Lilla.

DISPUTAS JUDICIAIS

Além disso, outro ponto que precisa ser analisado é o uso de obras protegidas no treinamento de IA. O uso de obras protegidas para treinar sistemas de inteligência artificial tem gerado disputas judiciais importantes.

“Um caso emblemático ocorre nos Estados Unidos, onde o The New York Times processou a OpenAI por utilizar conteúdo jornalístico protegido sem autorização para treinar seus algoritmos. Esse precedente pode influenciar futuros entendimentos no Brasil”, considera Victoria Luz.

Lilla explica que os modelos de IA são treinados com vastos volumes de dados – o que pode incluir obras protegidas por direitos autorais – muitas vezes sem autorização dos autores ou dos detentores dos direitos.

Isso, explica o advogado, levanta questões sobre possíveis infrações autorais, como plágio, especialmente quando as criações da IA reproduzem estilos ou elementos distintivos de obras existentes que foram utilizadas no treinamento dos algoritmos.

“A situação é agravada diante da ausência de transparência sobre os dados utilizados no treinamento de modelos de IA e a ausência de mecanismos eficazes para coletar a autorização dos autores e detentores de direitos patrimoniais do autor”, diz.

OBRAS PROTEGIDAS

O especialista esclarece que nos Estados Unidos as plataformas defendem que o uso de obras protegidas no treinamento de modelos de IA generativa são permitidas por exceções legais previstas na legislação de copyright norte-americana.

Para essas plataformas, proibir ou restringir o uso dessas obras no treinamento dos modelos de IA seria prejudicial à inovação nesse campo.

Já no Brasil, o uso de obras protegidas no treinamento de algoritmos de IA não se enquadra em nenhuma das exceções previstas na Lei de Direitos Autorais, que reflete uma realidade da época em que foi aprovada no final dos anos 1990.

Aos poucos o Judiciário tem se posicionado sobre o tema. Recentemente, por exemplo, a Thomson Reuters obteve uma vitória em uma ação julgada por um tribunal norte-americano contra uma startup que desenvolve sistemas de inteligência artificial.

A startup foi acusada de utilizar o conteúdo da plataforma de assuntos jurídicos Westlaw, detida pela Thomson Reuters, para desenvolver um serviço semelhante baseado em inteligência artificial.

“Esse caso estabelece um importante precedente envolvendo o uso não autorizado de obras protegidas por direitos autorais no treinamento de modelos de IA generativa”, afirma Lilla.

PROTEÇÃO DOS AUTORES X INCENTIVO À INOVAÇÃO

Outro ponto complexo é a questão da proteção dos autores versus os incentivos à inovação em IA.

Lilla ressalta que por um lado, é importante assegurar aos autores e detentores de direitos patrimoniais de autor a devida proteção contra o uso não autorizado de suas obras no treinamento de modelos de IA generativa.

Por outro, é também importante assegurar um ambiente propício à inovação permitindo a criação de sistemas de IA que sejam úteis à sociedade e que permitam o desenvolvimento tecnológico nesse campo.

“O Projeto de Lei 2.338/23, que propõe a regulação de sistemas de IA e que foi aprovado pelo Senado no ano passado, enfrenta essa questão propondo um caminho alternativo que tenta contrabalancear direitos autorais e inovação”, explica o advogado.

Para ele, ao mesmo tempo em que prevê a possibilidade de exploração comercial de obras e conteúdos protegidos por direitos autorais no desenvolvimento de sistemas de IA, o PL prevê a possibilidade dos detentores de direitos proibirem a utilização de suas obras.

O texto prevê ainda a possibilidade de negociação do licenciamento dos direitos autorais com os desenvolvedores de IA para garantir uma justa remuneração.

“O PL aprovado pelo Senado ainda prevê deveres de transparência aos desenvolvedores de IA que utilizem obras protegidas por direitos autorais, permitindo aos detentores de direitos autorais um maior controle sobre a utilização de seus conteúdos”, finaliza Lilla.

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