O número de depósitos de patentes relacionadas à inteligência artificial (IA) tem crescido de forma acelerada em todo o mundo. A China lidera o ranking, seguida por Estados Unidos, Coreia do Sul e Japão. Levantamento realizado pela Nexus – Pesquisa e Inteligência de Dados, a partir de informações do Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI), mostra que o Brasil segue tendência de alta, ainda que modesta, nos pedidos de patentes ligadas à IA.
De acordo com o estudo, foram analisadas 264 solicitações entre 2019 e 2024. Apenas 8 (3%) foram concedidas. A grande maioria (97%) continua em análise ou não teve a patente concedida. Nesses seis anos, o ápice foi em 2022, com 78 registros. Os dois anos anteriores também se destacam, com 64 pedidos em 2020 e 77 em 2021. Desde 2023, contudo, há uma queda nas solicitações (13).
O advogado Arystóbulo de Oliveira Freitas, sócio do Arystóbulo Freitas Advogados, lembra que em meados de agosto o INPI abriu consulta pública sobre diretrizes de exames de patentes relacionadas à inteligência artificial.
“As diretrizes apresentam preocupações atuais sobre ai, tais como, a título de exemplo: (i) não havendo interação humana, o simples acionamento de IA não representa invenção subsumível a patente; (ii) a invenção apenas assistida por IA – apenas como ferramenta – não pode ser patenteada; (iii) as criações relacionadas com ia, mas incidentes em matérias excluídas de proteção patentária (métodos comerciais ou financeiros, p. Ex.), igualmente não são patenteáveis”, explica.
Após a aprovação das diretrizes, cuja consulta vencerá em aproximadamente 60 dias, o INPI terá melhores paradigmas para a avaliação das invenções relacionadas a IA.
Atualmente, os setores da saúde (25%), indústria (14,4%) e agropecuária (8,3%) lideram os pedidos de registros de patentes em inteligência artificial depositados no Brasil nos últimos seis anos.
Setores das patentes solicitadas no Brasil entre 2019 e 2024
Saúde | 66 |
Indústria | 38 |
Agropecuária | 22 |
Energia | 21 |
Vendas e finanças | 21 |
Aprimoramento de IA | 16 |
Transporte e mobilidade | 16 |
Telecomunicações | 15 |
Processamento de dados | 14 |
Educação e idiomas | 10 |
Segurança | 9 |
Meio ambiente | 9 |
Cosméticos | 4 |
Outros | 3 |
Fonte: Nexus |
Para a advogada Gabriela Payne Zerbini, do PZ Registro de Marca, os dados refletem a relevância estratégica que essa tecnologia vem ganhando em setores fundamentais, como saúde, indústria e agropecuária.
“Ainda que apenas uma pequena parcela tenha sido concedida até agora, esse baixo índice não significa falta de inovação, mas sim a complexidade do processo de análise, especialmente diante das discussões globais sobre a patenteabilidade de algoritmos e softwares”, diz Gabriela.
O tempo médio para análise das patentes que foram concedidas foi de 2 anos, 11 meses e 10 dias. O Plano de Ação 2023-2025 da Estratégia Nacional de Propriedade Intelectual (ENPI), divulgado em outubro de 2023, estabeleceu como meta a diminuição do prazo de análise de patentes de modo geral. Antes de 6,9 anos, registrados em dezembro de 2022, a meta passou para 3 anos (junho de 2025) e quer diminuir para média de 2 anos até 2026.
De acordo com Freitas, o enorme backlog decorre de vários fatores e citao reduzido número de profissionais no INPI e a ausência de estrutura que dê vazão aos desafios dos exames patentários. “O acklog somente poderá ser vencido se houver maior direcionamento de recursos para a estrutura e contratação de novos técnicos”, considera Freitas.
Após o depósito do pedido de patente, o INPI analisa a concessão do registro de propriedade intelectual, que garante ao inventor os créditos – e a remuneração – pelo uso daquela criação no Brasil. A patente pode ser de invenção – uma solução para problemas técnicos – ou de modelo de utilidade, para melhoramentos de produtos existentes ou de suas aplicações.
“O levantamento mostra a diversidade de possibilidades da aplicação da inteligência artificial no Brasil e como os responsáveis por essas inovações têm buscado garantir esse uso. Apesar de algumas instituições brasileiras se destacarem, como universidades federais e a Petrobras, a grande participação de empresas estrangeiras mostra como Estados Unidos e China têm atuado para dominar o mercado brasileiro nesta tecnologia”, afirma Marcelo Tokarski, CEO da Nexus.
Inovação em saúde
Na área da saúde, os depósitos de patentes incluem criações relacionadas a diagnóstico de câncer, medição de insulina, aprimoramento de teleconsultas, predição de problemas cardíacos, reabilitação motora e gestão de fila de espera, entre outros temas.
Na indústria, as iniciativas são relacionadas a automatizações que buscam melhora da produtividade, como aprendizado de máquina, manutenção preditiva, melhora da segurança para o trabalhador e inspeções de qualidade dos produtos; além de aplicações mais específicas, como para produção de plástico e imitação de itens alimentícios. Já no agronegócio, os pedidos incluem monitoramento de animais para abate, classificação de grãos e controle de pragas, por exemplo.
“Proteger a propriedade intelectual em IA é essencial para gerar competitividade, atrair investimentos e garantir que soluções desenvolvidas aqui tenham valor no mercado internacional. Para o país, acompanhar essa evolução é crucial, pois reduz a dependência tecnológica externa e fortalece o ecossistema de inovação. O desafio está em tornar o processo mais ágil e adequado às particularidades da IA, garantindo segurança jurídica para pesquisadores, startups e empresas”, considera Gabriela.

Outras áreas que se destacam no levantamento da Nexus são energia (7,9%), vendas e finanças (7,9%), aprimoramento de IA (6%), quando o autor pede a proteção intelectual de sistemas de inteligência artificial melhorados por eles através de novas tecnologias, telecomunicações (5,7%) e transporte e mobilidade (5,7%).
Especialistas consideram que a tendência é que esse movimento se intensifique, sobretudo com a chegada da IA generativa e suas aplicações em biotecnologia, energia e finanças. “O Brasil tem uma oportunidade única: transformar patentes em soluções concretas, com impacto direto na produtividade e na qualidade de vida da população”, avalia Gabriela.
Elaine Coimbra, palestrante, professora e vice-presidente de comunicação e marketing da Abria (Associação Brasileira de Inteligência Artificial), pondera que, apesar de termos cientistas e setores estratégicos com muito potencial, ainda somos “figurantes” nesse jogo.
“Temos poucas patentes, demoramos para analisar e não conseguimos competir com os gigantes. O Brasil precisa acelerar a análise de patentes, investir em pesquisa para gerar invenções de impacto e seguir boas práticas internacionais, para que nossas patentes tenham força lá fora”, diz Elaine.
No mundo
A China é o país que teve mais patentes relacionadas à inteligência artificial concedidas entre 2010 e 2022, de acordo com a edição de 2024 do AI Index, da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. A potência asiática contabiliza 61,1% dos registros, seguida pelos Estados Unidos, com 20,9%.
Ao considerar a população, a Coréia do Sul lidera o ranking, com 10,3 patentes concedidas a cada 100 mil habitantes no mesmo período. Em segundo lugar, está Luxemburgo, com 8,8 por 100 mil habitantes e os Estados Unidos em terceiro, com 4,2 por 100 mil habitantes.
O estudo também aponta uma alta de 62,7% das patentes relacionadas a IA concedidas de 2021 para 2022. A quantidade é 31 vezes a registrada em 2010. Esses dados são apenas uma parcela de todos os pedidos de registro de propriedade intelectual feitos. Em 2015, 42,2% dos depósitos não foram concedidos. O indicador subiu para 67,4% em 2022.
Os inventores chineses também lideram a disputa quando se trata de IA generativa – focada em criar novos conteúdos a partir de dados existentes, como o ChatGPT ou Google Gemini. De acordo com relatório da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (Ompi), o país solicitou 38 mil patentes na área entre 2014 e 2023. Em segundo lugar estão os EUA, com 6,3 mil. Coreia do Sul contabiliza 4,1 mil, Japão 3,4 mil e Índia 1,3 mil.
Neste período, foram registradas 54 mil invenções no setor, sendo 25% delas surgindo apenas em 2023. Apesar do crescimento, as patentes de IA generativa representam apenas 6% de todas as patentes de inteligência artificial no mundo.
A multinacional chinesa de tecnologia Tencent é a principal requerente, com 2.074 invenções. Em seguida, está a holding chinesa de serviços financeiros Ping AnInsurance, com 1.564 registros. A terceira colocada é a Baidu, também uma companhia chinesa de tecnologia, com 1.234 depósitos.