A automação robótica de processos (RPA, na sigla em inglês) está ganhando força nas empresas brasileiras, mas seu nível de adoção ainda varia bastante entre setores. Indústrias como a automotiva, farmacêutica, de bens de consumo e de manufatura de alta tecnologia estão na vanguarda, impulsionadas pela maturidade tecnológica e pela necessidade de integrar sistemas antes isolados — como ERP, MES e SCADA — para acelerar o fluxo de informações e tornar a tomada de decisão mais precisa.
A implementação de RPA (Automação Robótica de Processos) é uma jornada estratégica para aumentar a eficiência e reduzir erros. Ela envolve o uso de “robôs” de software para automatizar tarefas repetitivas e baseadas em regras que antes eram feitas por humanos. Quando bem-sucedida geralmente segue um ciclo de vida estruturado.
Segundo especialistas entrevistados pelo Portal Intelligence. Garden, a indústria segue como a grande aderente da automação robótica, acompanhada de perto pelo setor logístico e, mais recentemente, pelo varejo e e-commerce. Já áreas como educação, seguros e jurídico ainda se encontram em estágios iniciais de adoção, quando sequer há automação estruturada de processos.
No dia a dia, o RPA é utilizado para automatizar tarefas repetitivas e administrativas que dão suporte à produção e ao atendimento. Isso inclui a geração automática de relatórios de qualidade, a transferência de dados entre sistemas, a abertura de ordens de manutenção preventiva com base em sensores, a reposição automática de estoque e o registro digital de inspeções. O que antes era trabalho repetitivo — como preencher planilhas e lançar dados — passa agora para os robôs de software.
“Os profissionais, então, ficam livres para cuidar de análises, melhorias de processo e tomada de decisão. Isso costuma aumentar tanto a produtividade quanto a satisfação no trabalho”, explica Michael Lopes, engenheiro de automação com mais de 10 anos de experiência, que já desenvolveu soluções para empresas como Tesla, GM e Ford com foco em eficiência energética, automação de linhas de produção e integração robótica.
Em setores de serviços, o RPA também está presente no suporte ao cliente, com chatbots, voicebots e assistentes virtuais, além de rotinas financeiras e contábeis, como conciliações bancárias e emissão de notas fiscais.
Wagner Loch, diretor de Operações da Under Protection – empresa de soluções de segurança da informação –, afirma que a automação libera os analistas de tarefas repetitivas, permitindo que concentrem seu tempo em investigação, identificação de ameaças e aprimoramento contínuo dos playbooks – guias padronizados que descrevem passo a passo como executar tarefas ou responder a situações específicas. “O objetivo não é reduzir equipes, mas elevar a capacitação e garantir a atualização constante dos profissionais”, ressalta Loch.
Otimizar x Automatizar
Antes de automatizar, porém, especialistas recomendam otimizar. Isso porque, embora muitas vezes empregadas como sinônimos, otimizar e automatizar são ações diferentes – e entender essa diferença é fundamental para melhorar processos de forma eficiente.
Otimizar significa melhorar um processo, eliminando desperdícios, corrigindo falhas e reduzindo gargalos. Analisar o que está sendo feito, identificar etapas desnecessárias e reorganizar o fluxo de trabalho para que ele seja mais ágil e econômico. Essa melhoria pode ou não envolver tecnologia.
Automatizar, por sua vez, é usar tecnologia para que o processo seja executado com o mínimo possível de intervenção humana. Isso envolve ferramentas como RPA (automação robótica de processos), inteligência artificial ou sistemas integrados.
“Otimizar significa “arrumar a casa” — eliminar etapas desnecessárias, simplificar e corrigir falhas no processo. Automatizar é usar tecnologia para que esse processo funcione sozinho. No ambiente industrial, é muito mais eficiente otimizar antes. Se você automatiza um processo cheio de gargalos, só vai executar os erros mais rápido”, explica Michael Lopes.
“Entendo que otimizar é melhorar um processo reduzindo desperdícios, erros e gargalos. A otimização pode ou não contar com tecnologia e automação. Por exemplo, a revisão de uma etapa desnecessária de um processo representa uma otimização, que não necessariamente contou com a adesão ao RPA. Ao passo que a automação inclui a tecnologia para executar os processos de forma melhor,”, complementa Nicola Sanchez, CEO da Matrix Go, empresa especializada no desenvolvimento de plataformas de tecnologia com foco no engajamento e relacionamento entre empresas e clientes.
E o que acontece com as equipes quando o RPA entra em cena?
Ao contrário do imaginário popular, a tendência não é simplesmente cortar postos de trabalho, mas redistribuir funções para atividades mais estratégicas. Nas fábricas, profissionais deixam tarefas manuais e passam a atuar na análise de dados e na melhoria de processos. Em serviços, equipes são realocadas para monitorar sistemas ou lidar com casos complexos, enquanto a automação absorve a rotina mecânica.
“Pela experiência que temos com nossos clientes, ao automatizar um atendimento ou processo de vendas, estes costumam migrar equipes para tarefas mais estratégicas e/ou de monitoramento, ao passo que novas contratações para tarefas operacionais e mecânicas são extintas. É essa a tendência que mais vejo acontecer”, diz Sanchez.
Ainda assim, em uma visão mais realista, segundo o CEO, embora o RPA possa ser usado para realocar pessoas a funções mais estratégicas, o fato é que muitas empresas — especialmente quando priorizam a redução de custos no curto prazo – já optam por substituir parte da equipe pela automação, extinguindo cargos operacionais e repetitivos.
Isso é explicado em razão dos ganhos evidentes: com precisão próxima de 100% e mínima influência de fatores emocionais ou vieses sociais, o RPA garante resultados consistentes e confiáveis. A manutenção preventiva se torna mais eficiente, com ordens emitidas automaticamente antes que as máquinas apresentem falhas, reduzindo paradas inesperadas.
A precisão dos dados também aumenta, já que a automação elimina erros de digitação e outras falhas humanas, tornando as informações mais confiáveis. Além disso, relatórios e indicadores permanecem sempre atualizados, permitindo decisões mais rápidas e assertivas.
“Por exemplo, em um atendimento crítico com um cliente mais nervoso, a IA consegue identificar a emoção do cliente e agir de acordo com precisão e assertividade (algo impossível de garantir no mesmo cenário com um atendimento humano”, acrescenta o CEO da Matrix Go.
Resultados positivos, como a melhora na experiência e na satisfação do cliente, além do aumento da qualidade de vida da equipe já são perceptíveis — ainda que mais difíceis de serem mensurados, apontam os especialistas.
Para o professor Hercules Lima Ramos, da escola Tech da FMU, os ganhos com o RPA já são expressivos e podem ser mensuráveis:
“Um robô trabalha numa escala 24/7, sem pausas. Ele pode processar um volume de dados muito maior e mais rápido do que uma pessoa. Como o robô segue regras pré-definidas, o risco de erro humano (como digitação incorreta) é praticamente eliminado. Isso aumenta a precisão e a qualidade do trabalho. Há também os ganhos de conformidade: o RPA garante que os processos sigam as regras e regulamentações à risca, facilitando a auditoria”, diz.
Cenários futuros e desafios
O futuro aponta para um RPA cada vez mais integrado à inteligência artificial, especialmente a generativa, tornando os robôs de software mais adaptativos e capazes de interpretar contextos para tomar decisões.
Na visão de Michael Lopes, os desafios ainda são grandes. Isso porque “muitas fábricas operam com sistemas legados (antigos), de difícil integração, o que complica a adoção de novas soluções”.
Some-se a isso a falta de infraestrutura e governança, a resistência natural de quem teme perder espaço para a tecnologia e as dificuldades em mapear corretamente os processos, etapa fundamental para que a automação funcione de forma eficiente.
Para Nicola Sanchez, lidar com o fator humano, a resistência à mudança e a sensação de que a “máquina vai tomar meu emprego” são os principais gargalos que as empresas precisarão enfrentar para aderir à tecnologia.
Outra tendência futura é que o RPA trabalhe junto ao machine learning, interpretando dados de câmeras e sensores em tempo real e automatizando processos de ponta a ponta — do pedido do cliente à entrega.
Soluções na nuvem e implementações rápidas devem democratizar o acesso também às pequenas e médias empresas.
Setores como telecomunicações, farmacêutico, saúde, logística, automotivo, alimentos, bebidas serviços financeiros, além da própria indústria, devem sentir esse impacto de forma mais intensa nos próximos anos.
“Olhando para frente, o RPA vai se integrar cada vez mais com inteligência artificial e análise preditiva, permitindo ações mais inteligentes, como ajustar automaticamente um plano de produção com base na demanda ou no desempenho das máquinas”, diz Michael Lopes.
Para o professor Hercules Lima, a adoção do RPA também enfrenta barreiras como o alto custo inicial e a complexidade de integração com sistemas antigos – que representam barreiras significativas para a implementação do RPA.
“Possivelmente essa combinação de RPA com outras tecnologias mais avançadas é o que vai definir o futuro do trabalho. Onde a gente enxerga um robô fazendo uma tarefa hoje, logo veremos um sistema inteiro aprendendo e se adaptando”, diz o professor.
Em outra vertente, Wagner Loch, da Under Protection acredita que os maiores desafios da automação passam por três eixos: qualidade dos dados, integração de sistemas e gestão da mudança.
“Uma automação só é eficaz se os dados de entrada forem confiáveis e padronizados; caso contrário, o risco é automatizar erros. No Brasil, ainda encontramos ambientes com múltiplas plataformas legadas (antigas) que dificultam a integração nativa entre ferramentas, exigindo customizações e investimentos adicionais. Além disso, há a questão cultural: é preciso que as equipes confiem e compreendam os fluxos automatizados, evitando a resistência ao uso e garantindo supervisão qualificada”, pondera.