Uso da ferramenta faz com que clientes cheguem em escritórios mais preparados, desafiando modelos tradicionais.
As ferramentas de Inteligência Artificial (IA) vêm se consolidando como grandes aliadas para os escritórios de advocacia, oferecendo soluções jurídicas mais ágeis, acessíveis e eficientes. O primeiro relatório setorial sobre o impacto da IA generativa no ambiente de trabalho dos advogados, realizado em 2025, parceria entre a seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), Jusbrasil, Trybe e o Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS-Rio), revelou que 55,1% dos profissionais do setor de advocacia no Brasil já utilizam IA em suas atividades diárias.
A pesquisa, que envolveu 1.500 operadores do Direito de todas as regiões do Brasil, aponta que o uso da tecnologia de IA na profissão de advogado está acelerado e gera impactos tanto positivos quanto desafiadores. Destaca-se, no estudo, a representatividade alcançada pelo Estado de São Paulo, onde mais da metade dos profissionais de direito (57,2%) relataram usar ferramentas de IA em suas rotinas.
As ferramentas de IA são capazes de automatizar tarefas repetitivas, analisar cláusulas contratuais, gerenciar prazos, pesquisar jurisprudências e aplicar métodos preditivos com base em casos anteriores, com maior rapidez e precisão.
Uma das conclusões do estudo liderado pela OAB/SP é a de que advogados que utilizam a tecnologia frequentemente têm uma percepção positiva sobre o uso das ferramentas. Em contrapartida, aqueles que ainda não adotaram essas soluções demonstram posturas mais céticas ou neutras ou ainda uma possível resistência às mudanças.
“Utilizo diversas ferramentas de IA sendo que os principais exemplos são Licito.guru, ChatGPT, Gemini e LM Notebook. A experiência tem sido ótima, pois traz muita eficiência em trabalhos de pesquisa, análise e redação. Com elas, consigo focar mais na estratégia do caso e me tornar mais produtivo, mantendo ou até mesmo superando a qualidade dos trabalhos”, relata o advogado Eduardo Schiefler, da Schiefler Advocacia.
Em 2025, segundo Schiefler, cresceu significativamente o número de clientes que chegam ao escritório após terem submetido suas demandas a uma consulta em ferramentas de inteligência artificial. Isso porque o cliente chega no escritório com uma percepção muito maior do caso do que antigamente.
“Isso impacta diretamente na atividade do advogado porque torna mais difícil o convencimento de que o seu trabalho continua relevante. Não só nas questões judiciais (cuja assinatura do advogado continua sendo imprescindível), mas principalmente nas consultivas. Com maior dificuldade de convencimento do cliente que o advogado é importante, mais difícil fica precificar a atuação pois este não estará disposto a investir em consultoria jurídica se não estiver convencido que realmente vai fazer a diferença para o seu negócio a existência de um advogado”, argumenta.
Por outro lado, o uso da IA pode tornar o trabalho do advogado mais produtivo e aumentar a qualidade técnica padrão, nivelando os profissionais.
“Com mais produtividade, haverá mais concorrência no mercado, o que pode gerar uma redução de preços. A advocacia precisará se transformar para absorver essas tecnologias e os profissionais terão de se adaptar, desenvolvendo habilidades que estão mais distantes de serem desempenhados pela IA, a exemplo da negociação e concepção estratégica dos casos”, acrescenta.
Seguindo essa ótica, operadores do direito precisarão buscar se diferenciar no mercado, pois a diferença entre técnica de redação e conhecimento puramente técnico (letra da lei) estará mais equilibrado.
Juízo crítico
Mas ao mesmo tempo em que a rotina do advogado poderá se tornar cada vez mais produtiva, será preciso que os profissionais desenvolvam um juízo crítico mais aguçado para uma utilização responsável da ferramenta. Conhecer os limites e vieses dos algoritmos, investir em checagem, avaliar criticamente as respostas da IA são algumas medidas preventivas que devem ser fortalecidas.
Na pesquisa, a própria OAB/SP opta por adotar uma postura mais cautelosa, desaconselhando o uso excessivo da tecnologia. A entidade também incentiva a capacitação contínua dos advogados para compreenderem as limitações e os riscos da IA.
Adicionalmente, a entidade de classe recomenda que o uso de IA para levantamento de doutrina e jurisprudência seja realizado de forma responsável, garantindo a veracidade das informações.
Existe ainda o receio de que os sistemas de IA possam gerar conteúdos imprecisos ou enviesados, o que poderia levar à reprodução de padrões injustos ou discriminatórios, impactando negativamente nas decisões judiciais.
“O advogado precisa sempre desconfiar do conteúdo, principalmente daqueles “perfeitos”, que servem como luva ao caso que está trabalhando. A presunção não deve ser de que as referências legais e jurisprudências estejam corretas, mas precisam ser verificadas. A tendência é que os erros cometidos pela IA (as chamadas alucinações) sejam cada vez menos frequentes, porém é algo grave que precisa ser observado”, diz Schiefler.
Faixa etária mais elevada surpreende
Um dado relevante apontado pela pesquisa realizada em parceria com a OAB/SP diz respeito à faixa etária: a maioria dos participantes da pesquisa possui mais de 35 anos, com destaque para os que estão entre 45 e 54 anos, indicando um perfil de profissional mais experiente na área jurídica.
A adesão ao uso da IA, contudo, ainda enfrenta resistência significativa – o equivalente a 28,8% dos respondentes. Dentre as principais barreiras estão falta de capacitação, a influência do contexto – onde líderes não incentivam o uso de IA generativa em seus escritórios ou empresas – e a desconfiança quanto à dependência excessiva da IA sem a supervisão humana.
Existe ainda o receio de que os sistemas de IA possam gerar conteúdos imprecisos ou enviesados, o que poderia levar à reprodução de padrões injustos ou discriminatórios, impactando negativamente nas decisões judiciais.
Recentemente, o Conselho Federal da OAB aprovou um conjunto de recomendações e boas práticas para orientar o uso da inteligência artificial generativa na advocacia. Entre as orientações, destaca-se a recomendação de transparência com os clientes sobre o uso da IA avaliando os riscos associados a cada caso.
Outro receio é a de que a IA venha a substituir ou impactar de forma drástica a atuação dos advogados.
Para o advogado Eduardo Schiefler, essa já uma realidade factível. A elaboração de relatórios, pesquisas, comunicações jurídicas simples (e as vezes até complexas) já estão sendo realizados com excelência pela IA, o que vem fazendo com que empresas, por exemplo, as utilizem em vez de buscar advogados no mercado.
“As atividades de redação em geral são impactadas pela alta produtividade que a IA gera, de modo que um advogado, hoje, consegue produzir mais do que ontem. Isso substitui a mão de obra, que pode ser menor para atender um volume igual ou superior de demandas. Não se trata de um efeito único da IA, mas das tecnologias em geral. Há décadas a advocacia vem sendo impactada pelo surgimento de novas ferramentas tecnológicas que trazem produtividade. Com a IA, não será diferente, porém o impacto pode ser muito maior do que qualquer outro que a profissão já tenha experienciado”, conclui.
Algumas recomendações para o uso responsável de IA:
- Advogados sócios ou gestores devem supervisionar o uso de IA por associados, estagiários e assistentes para garantir conformidade com normas correlatas.
- Estabelecer políticas claras sobre o uso de IA e práticas de segurança digital.
- Fornecer capacitação sobre o uso ético e seguro das ferramentas de IA.
- Monitorar o cumprimento das normas éticas e garantir que todos estejam cientes de suas obrigações profissionais.
- Revisar todas as saídas geradas pela IA antes de apresentá-las em processos, evitando erros jurídicos e factuais.
- Nunca confiar exclusivamente nos resultados da IA para elaboração de argumentos ou documentos submetidos aos tribunais.
- Manter-se atualizado sobre os benefícios e riscos da IA participando de formações continuadas em tecnologias jurídicas.
- Consultar especialistas quando necessário, assegurando o uso ético e competente das ferramentas.
- Formalizar por escrito a intenção de utilizar IA nos serviços prestados, garantindo que os clientes estejam cientes.
Fonte: Conselho Federal da OAB
Reportagem de Isabella Holanda, do portal Intelligence.Garden