No Brasil, 56% dos professores das escolas afirmam usar ferramentas de inteligência artificial, seja para preparar aulas, seja para buscar formas mais eficientes de ensinar os conteúdos nas salas de aula. A porcentagem é superior à média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que é 36%.
Os dados são da Pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem (Talis) 2024, divulgada recentemente pela OCDE. A pesquisa, feita a partir de entrevistas com professores e diretores principalmente dos anos finais do ensino fundamental – do 6º ao 9º ano –, compara a educação em 53 países.
De acordo com o estudo, os professores brasileiros disseram que usam a IA para gerar planos de aula ou atividades (77%), ajustar automaticamente a dificuldade dos materiais de aula de acordo com as necessidades de aprendizagem dos alunos (64%) e aprender e resumir um tópico de forma eficiente (63%).
O uso menos frequente da IA, apontado pelos docentes, é para revisar dados sobre a participação ou desempenho dos alunos (42%), gerar texto para feedback dos alunos ou comunicações com pais/responsáveis (39%) e avaliar ou corrigir o trabalho dos alunos (36%).
De acordo com a Talis, os impactos do uso da IA na educação ainda são incertos.
“O uso da IA na educação tem sido um tema de pesquisa há mais de 40 anos. No entanto, o lançamento do ChatGPT da OpenAI no final de 2022 acelerou o uso cotidiano da IA em muitos setores da sociedade. Embora a IA esteja desempenhando um papel cada vez maior na vida das pessoas, sua influência a curto e longo prazo na educação permanece incerta. Como a IA deve ser usada na educação também é uma questão pertinente”, diz a pesquisa.
O uso também varia entre os países pesquisados. Enquanto cerca de 75% dos professores em Singapura e nos Emirados Árabes Unidos relatam que o fazem, o uso dessas ferramentas cai para menos de 20% entre os professores da França e do Japão. O Brasil aparece em 10º lugar entre os países pesquisados nesse quesito.
A pesquisa mostra ainda que os professores brasileiros dizem precisar de formação para o uso de tecnologia, sobretudo para o uso de IA.
As áreas em que os professores relatam precisar de aprendizagem profissional são: ensino de alunos com necessidades educacionais especiais (48%), habilidades para o uso de inteligência artificial para ensino e aprendizagem (39%) e ensino em ambientes multiculturais ou multilíngues (37%).
Entre os professores que relatam não ter usado IA no ensino nos 12 meses anteriores à pesquisa, 64% responderam que não o fizeram porque não têm o conhecimento e as habilidades para ensinar usando IA.
Essa porcentagem é menor que a da OCDE, 75%. A maioria (60%) também disse não usar porque as escolas onde lecionam não têm infraestrutura para uso da tecnologia. Essa porcentagem é maior que a da média da OCDE: 37%.
Maria das Neves Castilho, psicanalista da Sow Saúde Integral, avalia que a IA pode automatizar tarefas burocráticas e repetitivas, elaboração de planos de aula, correção de exercícios, geração de conteúdos personalizados, liberando o professor para o vínculo humano e o olhar sensível sobre os alunos.

Maria das Neves Castilho/Divulgação
“O contato com IA estimula o educador a atualizar-se, refletir sobre suas práticas e desenvolver novas competências, como o pensamento crítico digital”, diz Maria.
Para ela, há o risco de o professor delegar excessivamente à IA o papel de pensar, criar e planejar. Isso pode empobrecer a prática pedagógica e gerar uma perda da autoria intelectual do educador.
“Se o uso for meramente instrumental, copiar sugestões da IA sem análise, há o perigo de um ensino mecanizado, distante da realidade e da sensibilidade dos alunos. Existe uma fronteira invisível e essencial, onde a psicanalise nos convida a refletir sobre esse tema.”
“A criatividade nasce do inconsciente, ela é expressão simbólica dos nossos desejos, conflitos, sonhos e dores. Não é apenas pensar diferente, mas dar forma ao que nos habita. E isso, nenhuma máquina sente. Da mesma forma, a empatia não é um algoritmo. Ela emerge da relação transferencial, desse encontro entre dois sujeitos que se escutam, se afetam e se transformam”, comenta.
Com relação aos impactos na saúde mental, o uso crescente da tecnologia na educação traz também novas pressões emocionais para os professores. “A exigência de dominar tecnologias pode gerar estresse, sensação de estar ficando obsoleto e comparação constante. É importante garantir espaços de formação, apoio emocional e trocas coletivas para que o uso da IA não se torne fonte de esgotamento”, destaca Maria.
Para os alunos a hiperexposição digital pode aumentar ansiedade, distração e dificuldade de concentração. “A mediação humana, o olhar, o diálogo e a escuta continua sendo insubstituível para o equilíbrio emocional e o aprendizado significativo.”
“O desafio é integrar tecnologia e humanidade, garantindo que a IA seja aliada não substituta do educador. O risco está no uso automático, sem reflexão, que pode empobrecer o conteúdo e gerar dependência tecnológica”, afirma Maria.
Para Francisco Borges, mestre em Educação e consultor de gestão e políticas públicas voltadas ao ensino da Fundação de Apoio à Tecnologia (FAT), o principal cuidado é evitar que a IA torne alunos e professores excessivamente dependentes, o que pode ter consequências negativas em caso de falhas técnicas da própria ferramenta e além disso, a falta de compreensão de como a IA funciona pode levar à confiança cega nos resultados produzidos pelos sistemas.
“Cientes da alta demanda e da necessidade de regular o uso de IA, os conselheiros do Conselho Nacional de Educação propõem tornar obrigatória a inclusão do ensino de inteligência artificial nos currículos de pedagogia e licenciaturas; com o objetivo é preparar professores para os desafios e oportunidades que a IA traz ao ambiente escolar”, lembra Borges.
Ele comenta ainda que aaplicação de IA é uma forma que os educadores encontram para economizar tempo nas suas atividades de planejamento e de criação de atividades. “Por isso precisam ser capacitados para entender os riscos de uso inadequado, ou as possíveis ‘mazelas’ que IAs mal consultadas ou calibradas podem trazer”, finaliza Borges.
*Com Agência Brasil