De acordo com a mais recente pesquisa divulgada pelo Instituto Datafolha em parceira com a Fundação Itaú, 56% dos entrevistados acreditam que a IA representa uma ameaça para o seu trabalho.
As respostas dizem respeito à pesquisa Consumo e uso de Inteligência Artificial no Brasil, que investigou o consumo, o uso e as percepções da população brasileira sobre inteligência artificial, considerando aspectos como frequência de uso, impactos no trabalho e saúde mental, expectativas sobre o futuro e as diferente compreensões entre grupos sociais.
À medida que a inteligência artificial (IA) avança, outras habilidades humanas — as chamadas soft skills — também se tornam cada vez mais essenciais. Comunicação, empatia, criatividade, inteligência emocional e adaptabilidade não são apenas diferenciais: são ferramentas fundamentais para lidar com mudanças rápidas e incertezas que a automação traz para o cotidiano profissional.
A tecnologia, embora promissora, também gera desafios psicológicos significativos. Conforme apontou a pesquisa, o medo da perda de emprego é o sentimento mais comum entre profissionais que veem suas funções sendo parcialmente automatizadas. Contudo, apesar do impacto da IA ser real, em grande parte ainda, o temor ainda é especulativo, o que pode aumentar o nível de ansiedade.
Sobre o tema, o Portal Intelligence. Garden ouviu especialistas de diferentes áreas, unânimes em afirmar que discutir o assunto no ambiente corporativo, preparar-se para cenários possíveis e buscar formas de adaptação são estratégias essenciais para reduzir o medo e a sensação de impotência.
“Isso permite que os profissionais atuem como agentes das mudanças, e não apenas como vítimas delas”, aponta João Roncati, CEO da People+Strategy, consultoria especializada em Estratégia, Planejamento e Recursos Humanos.
De acordo com Roncati, desenvolver a inteligência emocional será vital para lidar com novos cenários, ainda difíceis de prever, já que qualquer mudança significativa tende a aumentar a insegurança e, consequentemente, o estresse. Isso significa considerar e compreender os elementos das emoções — seus motivadores e expressões para tomar decisões mais conscientes.
“A inteligência emocional é fundamental em todos os ambientes organizacionais e tem se tornado ainda mais crítica, devido à queda visível da qualidade emocional nas empresas e na sociedade em geral”, afirma o especialista.
Embora seja mais desafiador desenvolvê-la do que as hard skills, ela pode sim ser treinada. “O processo passa por refletir, discutir e valorizar comportamentos que sejam mais inclusivos, compreensivos e que considerem a divergência como enriquecedora, e não como fonte de oposição. Também envolve a reflexão sobre gestão de pessoas em situações de estresse, que geralmente despertam comportamentos disfuncionais”, aponta.
Para Roncati, as empresas têm papel decisivo para garantir que essa transição seja tranquila. “A gestão de mudanças, combinada ao desenvolvimento de soft skills, surge como um caminho estruturado para lidar com a revolução da IA”.
Isso significa fortalecer a a resiliência no campo individual para que cada profissional possa planejar sua trajetória e propósito em meio às transformações além de tocar em aspectos como realização pessoal e propósito: “como quero construir minha trajetória e meu legado em meio a tantas transformações?”, essa deve ser a pergunta, diz Roncati.
IA como parceira
Priscila Oliveira, Head de Cultura e Pessoas na Kstack acredita que a chegada da inteligência artificial vai tornar as habilidades humanas ainda mais valiosas. Outro “segredo”, segundo ela, está em enxergar a IA como parceira, e não como concorrente.
“Nesse sentido, desenvolver a soft skill adaptabilidade é justamente a ter curiosidade de aprender, de explorar novas ferramentas e de entender como elas podem facilitar o trabalho. Quanto mais aberto a experimentar, mais natural fica essa colaboração humano-máquina. A IA passa então a ser seu assistente”, brinca.
Marcel Raminelli, engenheiro da Poli-USP e CEO do IntegralMind, cursinho pré-vestibular especializado em reforço escolar, o primeiro passo é experimentar: testar a IA em tarefas variadas, sejam profissionais, sejam pessoais, para descobrir suas reais capacidades e limites. “Essa vivência amplia a percepção e reduz a resistência ao uso”, diz o engenheiro.
Para isso recorre a uma analogia simples: uma criança que cai ao andar de patins. Algumas choram, ficam com medo e abandonam a atividade; outras se levantam, riem da própria queda e tentam novamente. “A diferença não está na habilidade motora, mas na forma como cada uma lida emocionalmente com o erro. No ambiente profissional, acontece o mesmo”, explica.
Novos modelos de gestão
Renata Caveari de Sousa, professora e coordenadora do curso de psicologia do Centro Universitário Afya Itaperuna, relembra que as mudanças técnicas, sociais e econômicas no mundo do trabalho não são novidade e sempre impactaram diretamente as organizações e as relações profissionais. Um exemplo é a substituição do modelo taylorista pelo toyotista, centrado na inovação tecnológica e na qualificação contínua de produtos e profissionais.
Com o avanço da inteligência artificial, novos modelos de gestão vêm sendo implementados em busca de qualidade e excelência, configurando um novo cenário para o trabalho. Nesse contexto, segundo ela, habilidades técnicas (“hard skills”) podem se tornar obsoletas rapidamente, enquanto as soft skills, como inteligência emocional, pensamento crítico e comunicação eficaz, colaboração e empatia permanecem como diferencial humano.
Para Renata, o medo de perder o emprego, por conta do avanço da IA no mercado de trabalho, pode afetar a saúde mental e o desempenho profissional, se não for bem gerenciado. Para isso recomenda aos profissionais cultivarem uma rede de apoio social com colegas e familiares, investir em capacitação para ampliar a empregabilidade, praticar a reavaliação cognitiva para lidar com situações estressantes e adotar técnicas de relaxamento e mindfulness para regular as emoções. Já as empresas devem incentivar o aprendizado contínuo, criando ambientes psicológicos seguros e adotar práticas inovadoras, como gamificação.
Alexandra D’Azevedo Nunes, diretora de Gente e Recursos Humanos do Peers Group, acredita que o papel da empresa nesse momento é ser cada vez mais uma facilitadora dessa evolução: seja através de treinamentos específicos, seja provocado por mais experiência nos diversos temas (com programas de mentorias, prêmios para quem traz e faz acontecer ideias utilizando as tecnologias e pontos que auxiliam o negócio), seja permitindo uma cultura que habilita e favorece as atitudes de test and learn, permitindo o erro e a inovação.
Nas novas dinâmicas de trabalho — marcadas pela aceleração trazida pelas ferramentas digitais e pelo modelo remoto ou híbrido — a diretora destaca que a interação humana e as habilidades socioemocionais ganham importância ainda maior.
Motor humano
Para Marcel Raminelli, empresas que ainda não têm maturidade ou conhecimento em IA, devem buscar parcerias com instituições que saibam tanto trabalhar a tecnologia quanto planejar a integração humana, para garantir que o processo seja sólido e sustentável. “Afinal, implementar IA sem cuidar das pessoas é como trocar o motor de um carro sem treinar o motorista: o risco de acidente é grande”, diz.
Segundo o engenheiro, a transição para a era da IA não é apenas técnica, mas profundamente humana. “Implementar um novo software pode ser feito em poucas semanas; já preparar as pessoas para confiar nele, mudar hábitos e renunciar a velhas formas de trabalhar exige muito mais tempo. É aqui que as soft skills entram como o verdadeiro motor da mudança”.