IA rouba holofotes no entretenimento; falta de regulamentação ainda preocupa

A inteligência artificial tem ganhado destaque dentro do mundo do entretenimento com casos se multiplicando mundo afora
Cantor sertanejo criado por IA Crédito: Divulgação

A inteligência artificial tem ganhado destaque dentro do mundo do entretenimento com casos se multiplicando mundo afora. No Brasil, um reality show cômico protagonizado por uma apresentadora digital viralizou nas redes. Já nos Estados Unidos, totalmente virtual conquistou mais de 1 milhão de ouvintes no Spotify. De olho neste cenário, a Netflix confirmou o uso de IA generativa para criar cenas inteiras em sua nova série, adotando a tecnologia como estratégia para otimizar tempo e reduzir custos.

As novidades não param por aí. A empresa Not Brand lançou recentemente Tonny Veiga, o primeiro cantor sertanejo brasileiro criado 100% com inteligência artificial. Diferente de versões retrô ou covers estilizados, Tonny é um artista inédito, com voz sintetizada, identidade visual própria, clipe oficial e uma estética que mistura o country com o futurista.

“Tonny nasce para representar um novo tipo de artista — um que evolui junto com o mundo. Mais do que uma voz artificial, ele simboliza uma revolução na forma de criar. Não veio para substituir ninguém, nem para apagar o que é humano. Pelo contrário, ele mostra que, com as ferramentas certas, o lado humano pode imaginar, inventar e dar vida a tudo o que quiser”, afirma Amanda Talli, CEO da Not Brand.

Criado com o uso de mais de oito ferramentas de IA generativa, Tonny Veiga representa a proposta ousada da Not Brand de mostrar que a inteligência artificial é só mais uma ferramenta e não uma ameaça aos setores criativos. “Acompanhamos o movimento global de aplicação criativa da IA e decidimos dar um passo além. Em vez de reinterpretações, criamos um novo artista. Um cantor excêntrico, extravagante e que traz um ritmo tão amado pelos brasileiros: o sertanejo. Tonny veio para se conectar com o público de forma emocional, autêntica e única, mesmo sendo digital”, explica a CEO da empresa.

Revolução

“Estamos testemunhando uma das maiores invenções da história da criação artística. Um verdadeiro momento de inflexão histórica. Não diria que a inteligência artificial está substituindo os criadores, mas sim que está atuando cada vez mais como co-produtora de conteúdos. É um cenário que desafia formatos engessados, instiga e impulsiona profissionais bem preparados e reformula certezas absolutas que há décadas dominam a indústria cultural. De fato, constitui um abalo nas concepções usuais de autoria, originalidade e criatividade. Mas gera uma gama de oportunidades, alternativas e combinações nunca antes vistas”, avalia Daniel Marques, advogado, filósofo, doutor em direito e presidente da AB2L.

“Quando uma apresentadora digital conduz um reality que não existe e viraliza com seu carisma sintético, ou quando uma banda de origem algorítimica atinge milhões de plays, não estamos diante da morte da criatividade, mas do seu renascimento em outra chave, sob outras ferramentas”, complementa o especialista ao lembrar que todas essas obras com IA tem um ser humano estruturando, organizando e preparando o roteiro. “O que vemos é uma democratização do acesso a ferramentas antes inacessíveis que permitirão uma explosão da criatividade.”

Para Lilian Carvalho, professora e coordenadora do Centro de Estudos em Marketing Digital da Fundação Getúlio Vargas (FGV), haverá uma adaptação às novidades. “Da mesma forma que o digital substituiu o real, a televisão substituiu o cinema, o teatro foi substituído pelo cinema. Foram inovações e isso não quer dizer que o teatro morreu, que o cinema morreu. As coisas vão se adaptando. É mais uma forma de expressão da criatividade humana”, considera a professora.

Direitos autorais

Para especialistas, a questão do direito autoral deve ser o principal ponto de debate. Paulo Lilla, sócio do Berardo Lilla Becker Segala Daniel Advogados, avalia que a ascensão da IA generativa trouxe avanços significativos na criação de conteúdo, mas ao mesmo tempo coloca obstáculos para a proteção de direitos autorais.

Esses desafios abrangem questões jurídicas relevantes que afetam tanto os direitos dos autores de conteúdo (artistas, músicos, escritores, entre outros), quanto os desenvolvedores de sistemas de IA generativa, com impactos significativos sobre a inovação nesse campo.

Pela legislação brasileira (Lei 9.610/98), apenas obras criadas por pessoas físicas são protegidas pelo direito autoral. Assim, criações exclusivamente geradas por inteligência artificial, sem intervenção humana relevante, não seriam protegidas nos moldes tradicionais.

“No entanto, é importante destacar que, na imensa maioria dos casos, há um usuário humano que formula o prompt com a intenção de obter um resultado específico. Esse momento criativo — a escolha dos parâmetros, referências, estilo e conteúdo — pode configurar um grau de originalidade suficiente para justificar proteção autoral, ao menos de forma parcial ou subsidiária”, comenta Alan Campos Thomaz, sócio do Campos Thomaz Advogados.

Uma analogia útil é com a evolução da fotografia: inicialmente, o resultado dependia de processos químicos e manuais; com o tempo, câmeras digitais e softwares de edição automatizaram etapas, mas o olhar e a intenção do fotógrafo seguiram como elementos centrais da autoria.

“Da mesma forma, a IA representa uma nova camada técnica — mais sofisticada —, mas que ainda depende da intencionalidade e intervenção humana para dar origem à obra final”, comenta.

Segundo Lilla, em geral, as leis de direitos autorais ao redor do mundo, incluindo a legislação brasileira, tradicionalmente reconhecem apenas criações humanas como passíveis de proteção autoral.

Ou seja, obras geradas exclusivamente por IA, sem intervenção humana significativa, geralmente não são protegidas por direitos autorais.

Entretanto, lembra o especialista, quando há uma contribuição criativa humana substancial, como por exemplo, na elaboração detalhada de prompts, a proteção pode ser considerada, a depender de cada caso.

Para Marques, a questão do direito autoral é um grande desafio. No entanto, lembra ele, não é a primeira vez que o direito precisa correr atrás da tecnologia.

“A fotografia, o cinema, o sampling, até mesmo a escrita: todos passaram por essa tensão inicial. O que não podemos aceitar é um debate que se paralisa no medo. Precisamos de marcos regulatórios inteligentes, que protejam o que deve ser protegido (identidade, consentimento, remuneração justa), mas que também não asfixie a inovação sob o peso de uma tradição jurídica”, finaliza.

Crédito imagem: Divulgação

Artigo Anterior

Da moeda física à tokenização: a corrida global pelo dinheiro digital

Próximo Artigo

Governo dos EUA libera compra de IA da OpenAI, Google e Anthropic

Escreva um comentário

Leave a Comment

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *