Quem visita condomínios – residenciais e comerciais – certamente já se deparou com um pedido: ‘posso tirar uma foto?’. O sistema de biometria facial, tecnologia de identificação e autenticação de pessoas baseada nas características únicas do rosto de cada indivíduo, tem sido cada vez mais usada pelos empreendimentos. Ele utiliza algoritmos de inteligência artificial e visão computacional para capturar, analisar e comparar traços faciais — como a distância entre os olhos, o formato do queixo, o contorno do nariz e outras proporções anatômicas.
Muitos condomínios implementaram essa tecnologia no acesso dos condôminos e visitantes em suas dependências. Se por um lado a medida traz praticidade e segurança, por outro lado, tem causado preocupações quanto ao uso desses dados e uma pergunta tem sido constante: sou obrigado a cadastrar a minha biometria para acessar meu condomínio? Especialistas consultados pela reportagem do Intellingence Garden são categóricos: a resposta é não.
Para Daniella Caverni, sócia do EFCAN Advogados, não basta a assembleia ter deliberado e aprovado a tecnologia. O morador, ainda assim, pode recusar o fornecimento de seu dado biométrico, com amparo na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). “A deliberação da assembleia não se sobrepõe aos direitos fundamentais do titular de dados pessoais, conforme estabelecido em lei”, destaca a advogada.
Especialistas consideram ainda que os condomínios devem ter alternativas para as pessoas que não querem fornecer a sua biometria para entrar no empreendimento, seja ele residencial ou comercial.
E lembram que, no Brasil, a LGPD classifica os dados biométricos como dados pessoais sensíveis, exigindo, portanto, uma finalidade legítima e específica, como regra geral, o consentimento do titular, além da implantação de medidas de segurança e prevenção contra vazamentos ou usos indevidos e a avaliação de impacto à proteção de dados.
Luís Ricardo de Stacchini Trezza, do escritório Trezza e Gói Advogados, lembra que muitas escolas e condomínios já adotam sistemas de controle de acesso baseados em biometria facial ou fotografias da face. Eles permitem que as pessoas previamente cadastradas, como alunos, funcionários, visitas ou frequentadores de um edifício comercial sejam identificados automaticamente ao entrar nos estabelecimentos.
“Algumas escolas, por exemplo, já adotaram sistemas de reconhecimento facial para controle de acesso e presença de modo a facilitar o controle de presença dos alunos, evitar fraudes em provas e prover segurança para a família, que tem maior certeza de que seus filhos estão na escola”, comenta o advogado.
No caso de empresas, incluindo condomínios residenciais e comerciais, além do sistema de controle de acesso pode haver o sistema de controle de ponto dos funcionários que utilizam a tecnologia do controle biométrico (facial ou por digitais).
Para Daniella, o tratamento não pode ser compulsório se houver alternativa menos intrusiva, isso significa que o condomínio tem o dever de oferecer alternativa razoável e eficaz, como chave, senha, cartão de acesso, QR code ou cadastro manual.
Responsabilidade pelos dados
Uma das principais preocupações é em relação aos dados pessoais, inclusive as imagens de fotografias coletadas pelo sistema.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o Madison Square Garden tem utilizado tecnologia de reconhecimento facial para impedir a entrada de pessoas com quem o proprietário, James Dolan, tem conflitos, principalmente advogados envolvidos em processos contra a empresa. Essa política tem sido controversa, levando a investigações e críticas sobre sua legalidade e ética.
“Embora a busca por segurança e eficiência seja legítima, o tratamento de dados sensíveis, como a biometria facial, exige não apenas base legal adequada, mas também proporcionalidade, necessidade e respeito à vontade do titular dos dados”, diz Daniella ao reforçar que essa opção não pode suprimir os direitos individuais garantidos em lei, especialmente quando o tratamento envolve dados sensíveis.
Trezza comenta que a responsabilidade pelas informações é do controlador de dados pessoais, a empresa que contrata e utiliza o sistema de controle de acesso ou de ponto por biometria – a escola, o condomínio, a empresa.
“O controlador deve seguir uma série de medidas para garantir a segurança das informações e o cumprimento da legislação vigente, como a LGPD, tanto durante o uso do sistema quanto na troca do fornecedor desse sistema”, afirma o advogado.
Para Laura Nanini Batista, advogada da área de Direito Digital da Lopes & Castelo Sociedade de Advogados, explica que o condomínio, na qualidade de controlador de dados, é legalmente responsável pelo tratamento adequado dos dados pessoais sensíveis. “Nesse contexto, é fundamental a nomeação de um Encarregado de Dados, que atenda às demandas dos titulares, esclareça dúvidas e garanta a conformidade com a LGPD”, diz Laura.
“No caso de visitantes, a coleta de dados biométricos deve ser pontual e restrita, limitada exclusivamente aos casos estritamente necessários e realizada com base em uma fundamentação legal apropriada”, finaliza a advogada.
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